sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A GRIPE ESPANHOLA EM PETRÓPOLIS

CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA EM PETRÓPOLIS:CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA EM PETRÓPOLIS:A GRIPE ESPANHOLA E A QUESTÃO SANITÁRIA EM PETRÓPOLIS[1]

"O que se está passando na Saúde do Porto da nossa capital é simplesmente assombroso. Os navios entram infeccionados, os passageiros e tripulantes atacados saltam livremente contribuindo para contaminar cada vez mais a cidade, não soffrendo os navios o mais rudimentar expurgo!( Rio Jornal, 11 de outubro de 1918) [2]
Enquanto o governo faz annunciar que a epidemia declina, o povo soffre as aperturas deste afflictissimo momento - tudo fechado! Não ha pão, não ha remedio, não existem os generos de primeira necessidade. Os donos dos armazens, apavorados com a tranquibernia do Comissariado entendem que o melhor é ter os seus estabelecimentos fechados.( A Razão, 23 de outubro de 1918)[3]
Nessa hora de incerteza dolorosa, premido pelo grito de piedade que vinha de todos os lados, o presidente da Republica appellou para o Sr. Carlos Chagas e entregou-lhe a organização dos serviços de soccorros hospitalares. Era o gesto que se reclamava; foi o primeiro signal de confiança e de conforto moral.O grande sabio patricio em quem Oswaldo Cruz presentira a capacidade e cuja vida, em um esforço continuo, não tinha servido senão para minorar o soffrimento alheio, iniciou com vigor immediato, proprio á sua natureza activa, a cruzada humanitaria, e sem preoccupações exhibicionista, nem alardes inuteis, começou a luta contra o mal terrificante. (...)A Carlos Chagas nós devemos o jugulamento rapido da "grippe".(UM GRANDE benemérito da cidade. A Rua, Rio de Janeiro, 9 jul. 1919. )[4]
(... algumas dezenas de cadáveres, uns nus, outro embrulhados em lençóis, com a cabeça de fora, outros vestindo roupas de todas as cores e feitios. Os carros transbordavam, e com as trepidações dos motores, todos aqueles corpos inanimados se mexiam, abrindo e fechando os braços, descambando as pernas e a cabeça, em gestos macabros e horripilantes, de quando em quando os empregados do necrotério traziam debaixo de cada braço, o cadáver nu de uma mocinha, de uma criança, de um velho...”(in, Azevedo, J. Soares de, in, Espanhola? Não Humana, Revista Vozes, Petrópolis, 1918)[5]

Os primeiros recortes acima evidenciam o lado negro da “espanhola” no Rio de Janeiro, como uma epidemia que se alastrou a principio no centro do Rio nas áreas mais pobres a partir do Cais do Porto, seguindo em direção aos bairros operários, industriais, nos cortiços, onde a população era alvo fácil pela sua situação nas condições de moradia e alimentação o que conduzia fatalmente a falta de imunidade. Por outro lado os mesmos recortes evidenciam o trabalho de Carlos Chagas, que a exemplo de Oswaldo Cruz, foi um batalhador incansável na luta pela saúde pública.[6]Petrópolis também teve seus ídolos quanto ao combate a epidemia e desenvolvimento de uma consciência de saúde pública. Aqui, outro discípulo de Oswaldo Cruz se notabilizou de forma incansável, o venerado, Cardoso Fontes.[7] Já a cena descrita por J. Soares, nos fornece um testemunho vivo e estarrecedor dos efeitos da epidemia em nossa terra. Epidemia que supostamente oriunda de Dakar se propagou rápida e fulminantemente pela Europa, Ásia e América, deixando como saldo aproximadamente 20 milhões de mortes em todo o mundo e afetou a cerca de um bilhão de indivíduos. Somente nos EUA morreram 500.000, e, na Índia com suas cidades superpovoadas e população subnutrida, dizimou doze milhões, em cálculos gerais, aproximadamente 4% dos habitantes do país à época. Holocausto superior ao da Primeira Guerra, onde os agentes sub-microscópicos tiveram potencial de destruição superior a toda a munição presente.

A GRIPE

As bibliografias médicas, citam que qualquer gripe por si, raramente chega a causar a morte, e que seus efeitos letais decorrem muito mais de complicações respiratórias, tais como a bronquite e a pneumonia, e que seu caráter virótico não deve ser desprezado. Pois a “Espanhola”, como gripe, se apresentou como uma anomalia dentre as várias espécies de vírus, o que nos fornece uma possibilidade ínfima de que volte a se repetir, mas que para seu tempo, em uma época de escassos recursos tanto na ciência bacteriológica, como de higiene e saúde para a população mundial, já atordoada pela guerra e pela fome, esta se processa de forma estarrecedora. Sua letalidade atinge geralmente pessoas com idade superior a cinqüenta anos e as de pouca idade, que são caracteristicamente as que possuem pouca resistência orgânica a infecções pulmonares.
Além disso outro fator de vulnerabilidade ante a enfermidade, é a debilidade orgânica, seja esta por doenças ou principalmente por subnutrição, onde as complicações podem ser fatais. Voltamos a alertar para a situação da humanidade neste período, a qual chegava esgotada ao final de uma Grande Guerra, onde a maioria de sua população encontrava-se desempregada e faminta, não importando as regiões, e com um cenário habitacional de extrema insalubridade. Tal fato se confirma se observamos descrições dos nossos centros urbanos de então, onde a maioria da população pobre e operária habitavam “cortiços” desprovidos de quaisquer organizações higiênicas ou sanitárias, acusando altos índices de insalubridade, além de serem atingidas também pelas péssimas condições de trabalho nos estabelecimentos industriais de então. Os apontamentos médicos ainda citam que outra categoria de pessoas expostas a perigo maior são as de gestantes e bebês, que na maior incidência da gripe coincide com as de aborto e mortalidade perinatal como constataremos em nossas analises. PAINEL DE 1918 Eram tempos no Brasil onde se discutia a saúde do Conselheiro Rodrigues Alves, a decisiva derrota alemã. O café seguia em alta, os negócios com minério, uma maravilha, e a exportação abarrotando os cais e armazéns.Em Petrópolis, como não podia deixar de ser, a Grande Guerra era freqüentemente comentada nos jornais, que abordavam a influencia da mesma no destino da sociedade mundial. Os pleitos eleitorais de março eram debatidos salientando-se a derrota do Partido Municipal. Ocorriam festivais artísticos promovidos pela Escola de Musica Santa Cecília, e as conferencias promovidas pelo Círculo de Imprensa, atingiam o clímax intelectual no município. Por outro lado enquanto as indústrias locais participavam com sucesso na Exposição Industrial da Capital Federal, o que lhes abria grande mercado, se alastravam as greves em seus estabelecimentos mostrando a delicada situação social e trabalhista do operariado petropolitano, ante a exploração e opressão no interior dos estabelecimentos[8], situação que coincidia com a carestia dos gêneros de primeira necessidade.O célebre “31 de agosto”, não distava em muito na lembrança da comunidade petropolitana, quando alimentos escassearam e ocorreram estoques ilícitos por parte de inescrupulosos comerciantes, o que resultou em revolta, invasão e saque dos estabelecimentos por populares. Para agravo ainda maior deste quadro, é nomeado par o recém criado Comissariado Federal para Alimentação, o então presidente da Câmara Municipal de Petrópolis, Dr. Leopoldo Bulhões, personagem exaustivamente criticado pela oposição e acusado de envolvimento com as Associações de Comerciantes.Neste clima de ebulição, Bertho Conde e Luciano Tapajós, advogado e médico, respectivamente, ambos jornalistas no Diário da Manhã e em O Comercio, escreviam artigos polêmicos em defesa do operariado ao passo que nestes e em outros periódicos locais, caso mais enfático da Tribuna de Petrópolis, se discutia acirradamente o crucial problema do Sistema Sanitário Municipal e o também polêmico Código Sanitário, cuja questão se originara na administração do prefeito Oswaldo Cruz, herói da luta contra a febre amarela no Rio de Janeiro, e de polêmica postura na famosa “Guerra da Vacina”. Código este que foi posteriormente defendido pelo então Inspetor de Higiene de Petrópolis e também discípulo de Oswaldo Cruz, e autor do Código, o dr. Antonio Cardoso Fontes, que encontrara inúmeras barreiras na comunidade petropolitana para aprovação deste.

PETRÓPOLIS: A QUESTÃO SANITÁRIA & A GRIPE

Não era a primeira vez que uma epidemia nos atacava, segundo estudos de Walter Bretz, em 1855, em apontamentos da Diretoria da Colônia, Petrópolis foi vitimada pela pandêmica “Cólera Morbus”, trazida ao Brasil pela embarcação portuguesa “Defensor”, que aportou no Ceará lotada de coléricos.
Ao invadir a cidade a pandemia, assolou intensamente o bairro do Bingen, à época o mais pobre de Petrópolis, e com uma população essencialmente de colonos. O número de habitantes então era estimado em aproximadamente cinco mil pessoas, sendo que destas, oficialmente 360 foram dadas como infectadas, alcançando a cinqüenta o número de mortos[9]. Já a época, segundo palavras de Bretz, o aparelho sanitário da então colônia era extremamente deficitário[10]. Quanto a “espanhola”, esta apareceu na primeira quinzena de outubro de 1918, sendo que sua primeira vitima fatal foi o prof. João de Deus Filho, falecido no dia 19. Até então, nosso índice de mortalidade era o de uma média de aproximadamente 260 óbitos por trimestre, sendo detectável nesta, a maioria de ordem de doenças do aparelho respiratório, com grande incidência para a tuberculose, e resultando em uma proporção de 2 à 3 por dia, e atingindo no trágico quarto trimestre de 1918, a média de 12 óbitos diários. Isto, em uma população que era estimada à época em vinte e cinco mil habitantes[11]. Antevendo-se ao faustoso acontecimento, grupos da cidade lutavam pela aprovação do Código Sanitário do dr. Cardoso Fontes, sendo que em 25 de julho em sessão ordinária na Câmara Municipal, o projeto do código que continha 182 artigos é encaminhado, entrando na pauta de discussões no dia 29. Trava-se então pequena batalha na comunidade por sua aprovação. A Liga do Comércio após uma rápida análise aprova-o e colabora. Na imprensa forma-se um bloco de defesa e apoio, contrapondo-se as críticas que se vinham processando no seio da comunidade, pois muitos dos artigos deste código diziam respeito a um zeloso policiamento sanitário de maneira maliciosa diziam ser um atentado à intimidade do indivíduo e de sua família, propagando idêntica a realizada contra Oswaldo Cruz no Rio de Janeiro. Na realidade ele ia de encontro aos interesses de escusos comerciantes, os de caracteres de "fundo de quintal" onde alimentos e até carnes-verdes[12], sem quaisquer processos de fiscalização em seus recursos higiênicos de produção e venda eram comercializados livremente para prejuízo da população. Junte-se a isto o problema dos estábulos o de produção e distribuição de leite, cujas fontes eram vacas doentes e em sua maioria vadias, isto em tempo onde a febre aftosa começava a grassar. E o da fiscalização sanitária nos cortiços que careciam de qualquer organização higiênica. "... apesar das qualidades naturais, nós não possuímos higiene. É dura a verdade. Petrópolis tem-se conservado indene de epidemias por puro milagre..." [13]Já surgiam inúmeros casos fatais de "Espanhola" no Rio e em Niterói, e a Tribuna de Petrópolis, em 3 de outubro, como que em tom de alerta publica em sua primeira página longa entrevista com o bacteriologista e sanitarista, Dr. Cardoso Fontes: "... Entre nós não vejo motivos para receios tão grandes... mas nem por isso devemos ser menos cautelosos... - Devemos não descurar o problema da higiene pessoal e domiciliar. Isso é importantíssimo. Nós vemos que a maioria dos casos fatais se têm dado em lugares poucos limpos e onde é grande a aglomeração de pessoas ..." Fala da necessidade de recursos para a organização do serviço municipal de higiene, ressaltando a importância da aprovação do Código para um efetivo combate, e que aprovado, em trinta dias de repartição estaria funcionando com regularidade e em quatro meses de trabalho observaríamos os resultados. Para reforçar a proposta ele acrescenta: "... breve publicaremos o boletim demográfico sanitário cujas cifras são assustadoras, ... inacreditável: em Petrópolis no mês de fevereiro, o índice de mortalidade foi de 30,48 por 1000 habitantes, em março de 25,41. A média costuma variar entre 10 e 14 por 1000. Somente em cidades reconhecidamente insalubres ela atinge os números que aqui se observam".Já seguiam de forma alarmante as informações sobre a epidemia no Rio de Janeiro em 11 de outubro, se apresenta em Petrópolis o primeiro caso. Um soldado do 5o. Batalhão do Exército, que se encontrava em visita a sua família em Cascatinha, adoece. Os jornais, alertam: “... A ser verdadeira a informação, compete a Inspetoria de Higiene tomar providências a fim de que o mal não se propague..."[14]No dia 12 estende-se a possibilidade de oito casos. Daí em diante, as notícias não são nada agradáveis, pelo contrário elas tornam-se alarmantes. Somente no dia 16 a Inspetoria toma a iniciativa de desinfectar casas onde existiam enfermos. O mal já se alastrava no meio operário, nas fábricas São Pedro de Alcântara e Dona Anna (Morin) alguns já haviam se retirado para suas residências já e calculando em cerca de 200 pessoas atacadas em toda a cidade. Na imprensa dominavam as receitas médicas "caseiras" ou não. Em sua maioria essencialmente de higiene pessoal, além dos de uso medicinal como: gargarejo com solução de ácido tímido ou suco de limão, óleo gomenolado ou vaselina mentolada, sal de quinino ou pastilhas, lavagem intestinal de malva com macela, emplastos de farinha de linhaça com mostarda, camomila, soluções homeopáticas para dores, chá de sabugueiro com caroba e casca de limão galego, entre muitos outros. Republicavam-se também receitas já estampadas em jornais cariocas[15]. Se por um lado alguns jornais impressionavam a população com notícias alarmantes e de influência na opinião pública, outros procuravam amenizar o efeito não acentuando a gravidade: "...o receio que tanto abate o moral predispondo para aumentar as condições de receptibilidade de certos indivíduos, deve se transmudar na sensata resignação de se suportar alguns dias de incômodo"[16] Porém a realidade já ia bem outra, onde os exageros chegavam à estranha profilaxia pelo álcool, - cálices de aguardente com limão, habituais - o que conduzia a uma depressão acentuada, e em uma análise dos óbitos[17] do período encontraremos alguns determinados pela ingestão excessiva de álcool.As medias tomadas pela administração munícipe em conjunto com a Inspetoria de Higiene foram no sentido de impedir o alastramento da moléstia e fornecer os primeiros socorros a população. A primeira foi a de fechar as escolas municipais e estaduais (estas em telegrama enviado a Presidente do Estado), a nomeação imediata dos Srs. Hugo Silva e Vital Fontenele para auxílio do Dr. Cardoso Fontes, e reabertura do Hospital de Isolamento e recolhimento para o mesmo dos enfermos mais pobres. No Palácio da Prefeitura é criado um posto de urgência onde além de atuar o Dr. Hugo Silva, auxilia o Dr. Ernesto Tornaghi, onde a prestação de socorros se realizaria, podendo ser tanto na via pública como a domicilio. Porém estas medidas não bastavam, a situação da população era extremamente delicada ante o momento de crise e excessiva carestia, não podendo assim a maioria comprar os medicamentos indispensáveis ao tratamento. A ajuda oficial fez-se então por intermédio do Comissariado para Alimentação, que publicou no Diário Oficial, de 17 de outubro, tabela exclusiva de gêneros de primeira necessidade, mandada executar pelo comissariado em nosso município[18].Na Delegacia de Polícia vários detentos são vitimados. Em Pedro do Rio e demais distritos, já se acusam diversos casos, o que já demonstrava a extensividade do mal no município. Vários falecimentos já se faziam sentir, inclusive dos que não conseguiam obter assistência médica[19]. Insistentemente a Tabela de Preços do Comissariado continua a ser publicada, devido ao seu não cumprimento. E para prejuízo do aparelho sanitário da cidade três médicos contraem gripe: Paulo Figueira Mello, Aroldo Leitão da Cunha e Paula Buarque. Ante esse fato, e o de que outros médicos se encontravam ocupados em suas clínicas particulares, o prefeito Dr. Oscar Weinschenck, solicita à Diretoria Geral De Saúde Pública Do Rio De Janeiro a vinda de três residentes, o que não se consuma, em virtude dos acontecimentos no Rio de Janeiro serem de maior gravidade e o de que toda classe médica local ser extremamente necessária. Em contrapartida, Weinschenck, chama quatro praticantes de farmácia em Juiz de Fora, e abre outros postos médicos na cidade. Petrópolis começa a parar, suas fabricas se encontram fechadas, inúmeras casas comerciais com suas portas cerradas. É suspenso o serviço telefônico para o Rio, o jornal Diário da Manhã se vê obrigado a deixar de circular, é um dos primeiros jornais a parar e consequentemente não voltando mais a ser impresso. Filas nas farmácias e drogarias: na Fluminense de Rubens de Andrade, na Hanemanianna, de M. J. Costa, na de Oliveira Leite, na Macieira de Barrozo Jr. e na Homeopática do Dr. Murtinho. Nos indicadores de serviços e classificados dos jornais, dominavam os anúncios farmacêuticos e de laboratórios. Anúncios de vendas de terrenos, residências e aluguéis - o que caracterizava a fuga, ao lado de extensos obituários. O Comércio em sua edição de 7 de novembro, assinala ser a primeira semana de novembro mais aguda, chegando segundo seus registros a uma média de 36 óbitos nos dias mais graves. O Dr. Cardoso Fontes também contrai a doença, ao passo que a Inspetoria De Higiene vê sua ação estendida além de seus limites - Meio da Serra e Magé[20]. O flagelo era evidente, e a ciência médica vivia seu grande momento de incerteza no combate ao mal. Isolação do vírus? Vacinação ou não?Não havia pão e os açougueiros se viam na impossibilidade de fornecer carne, era a fome que se associava. Ocorria a fuga dos cariocas, e com esta o rastilho epidêmico aumentava. No Rio cadáveres abandonados nas estradas em princípio de decomposição, nos cemitérios vários corpos aguardando a sepultura e que com o calor inchavam e arrebentavam os caixões, expondo-se as vísceras[21]. Em Petrópolis também não diferia a situação, a crise afeta aos cemitérios que sem coveiros se via num tráfego intenso e contínuo de caixões. Nos últimos dias de novembro, já se conta com o estertor da epidemia, o número de falecimentos começa a entrar em queda, registrando-se a média diária de 10 óbitos[22]. Em dezembro já se mostrava modificado o quadro, com o restabelecimento de muita das atividades publicas, é a volta a normalidade nos serviços e na vida da comunidade. Porém ficam as cicatrizes no enlutamento de diversas famílias e da sociedade em geral, onde permaneceram cenas muitas vezes macabras, dolorosas e inesquecíveis. Como sintomas desta "normalidade" observamos a pronta aprovação do Código Sanitário por parte dos vereadores, e resultados surpreendentes da atuação do mesmo: "Fiscalização surpreendente da polícia sanitária, fechando estabelecimentos, fiscalizando domicílios públicos e particulares, vacinando, desinfectando, e atuando com rigor no MATADOURO MUNINCIPAL"[23] E os óbitos de janeiro publicados de forma vitoriosa nas primeiras páginas, a confirmar falecimentos por moléstias transmissíveis 20, e por não transmissíveis 32. "Era a calmaria".

RESULTADO: DADOS ESTATÍSTICOS

Os dados veiculados pela imprensa foram realmente impressionantes havendo até quem os avaliasse a milhares, no que foi necessária a interferência da Inspetoria de Higiene, oficializando os números segundo suas próprias fontes, em publicação dos Boletins De Estatística Demográfico Sanitária[24], onde verificamos um relativo atraso, pois a publicação se realizava trimestralmente com regularidade. Passemos a analise do próprio:Os dados disponíveis no boletim abrangem os meses de outubro, novembro e dezembro de 2928, coincidentemente o referido trimestre assolado pela epidemia. Situa o índice de óbitos em um total de 648, sendo que destes 425 referentes somente a cidade, Petrópolis propriamente dita, e o restante entre os distritos - notando-se que São José do Vale do Rio Preto alcançou o mais alto índice entre estes, 116.O coeficiente anual de óbitos por cada 1000 habitantes, em setembro fora de 7,61, passando para em outubro a 31,80 e alcançando o fantástico número de 71,53 em novembro, entretanto em seu último mês descendo a 13,76. Ao procurarmos apurar a seriedade dos dados, tentamos refazer a contagem dos mesmos nos atestados de óbito que se encontram depositados no Arquivo Histórico Municipal, para nossa surpresa este índice sobe a 760. Além de atestarmos uma enorme alta nos falecimentos registrados por doenças aéreas, tais como bronco-pneumonias, tuberculoses, e outras. Também constatamos uma excessiva taxa de natimortos, casos de raquitismos (raridade), ingestão excessiva de álcool, três suicídios e alguns falecimentos de ordem desconhecida, o que caracteriza que o registro ultrapassa o número de vítimas de ordem direta que foram atacadas pelo infausto, porém comprovando a maneira como e sobre a mesma ocorreu e repercutiu[25]. Porém o que realmente chamou a atenção no decorrer desta pesquisa dos dados foi nos depararmos com o número elevado no período de pessoas de classe alta cujo atestado de óbito registrava falecimentos por doenças aéreas, tais como bronco-pneumonias, tuberculoses, e outras. Na época muitas bronquites registradas como “capilares”, eram casos clássicos para dissimular uma morte por “espanhola”, isto, pois a grande maioria que morria vitima da gripe era de origem miserável, sendo classificada a principio como “doença de pobre”, o que evidenciava o preconceito de então. Este fato na data da publicação do artigo, meados dos anos 80 do século XX, coincidiu com o preconceito evidenciado e constatado pela maioria das famílias de classe alta no mundo com relação a morte pela “aids” que era ao tempo classificada como "doença de homossexual”[26]. BIBLIOGRAFIA Fontes Primárias: REGISTROS DE ÓBITOS dos anos de 1917 a 1919, pertencentes ao ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL; RELATÓRIO DA DIRETORIA da Colônia Imperial de Petrópolis, MUSEU IMPERIAL; CÓDIGO SANITÁRIO de 1919, BIBLIOTECA MUNICIPAL; JORNAIS pertencentes à HEMEROTECA PÚBLICA do ARQUIVO HISTÓRICO MUNICIPAL; Fontes Secundárias: VÁRIOS, Coleção de publicações da COMEMORAÇÃO DO CENTENÁRIO DE PETRÓPOLIS, Petrópolis, 1943, BIBLIOTECA MUNICIPAL; ALBUQUERQUE, Manoel Maurício de, PEQUENA HISTÓRIA DO BRASIL, Ed. Paz e Terra, RJ, 1982; VERONESE, Ricardo, DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS, Guanabara Koogan, RJ, 1972.
[1] Ensaio publicado na primeira página do segundo caderno da Tribuna de Petrópolis, em 14 de agosto de 1983.[2] Recorte inserido em 2003[3] Ibid[4] Ibid[5] Recorte original de 1983[6] inserido em 2003[7] Ibid[8] notas no jornal operário de então, A Ordem, de Bertho Antonino Conde, que abertamente denunciava as condições de opressão em que eram colocadas as operárias petropolitanas nas industrias locais.[9] Boletim da Diretoria da Colônia.[10] In, Reminiscências Petropolitanas, Tribuna de Petrópolis, 15-12-1918.[11] Pesquisa realizadas nos relatórios publicados pela Tribuna de Petrópolis, e confirmados segundo avaliação dos óbitos do período depositados no Arquivo Histórico Municipal. [12] Carne-verde, era a denominação para carne-fresca na época, dos Matadouros Municipais brasileiros, o que havia de mais higiênico e sanitário em termos de abate com controle das autoridades públicas.[13] O COMÉRCIO, 26-09-1918, In, A Junta de Higiene[14] DIARIO DA MANHA, 11 de outubro de 1918[15] como o JORNAL DO COMÉRCIO[16] in, DIÁRIO DA MANHÃ[17] atestados de óbito sob guarda do Arquivo Histórico Municipal[18] DIÁRIO DA MANHÃ, 18-10-1918[19] DIÁRIO DA MANHÃ, 19-12-1918[20] O COMÉRCIO, 14-11[21] in, J. SOARES d'AZEVEDO, Revista Vozes, dezembro de 1918.[22] O COMÉRCIO. [23] Noticiário dos jornais[24] Tribuna de Petrópolis, 12-06-1919[25] Nota do Autor Em 2003[26] Ibid.

sábado, 16 de janeiro de 2010

O PREFEITO DEMISSIONÁRIO E OS CONFLITOS DE RUA - 1934

CONTRIBUIÇÃO À HISTÓRIA DOS MOVIMENTOS SOCIAIS

O PREFEITO DEMISSIONÁRIO & OS CONFLITOS – 1934[1]

“Cabe-me informar à Liga do Comércio, que no dia nove do corrente, cumprindo a missão que me foi dada, fui pessoalmente entregar ao Exmo. Sr. Dr. Getúlio Vargas a mensagem que por intermédio do da classe comercial, a população de Petrópolis fez ao Exmo. Sr. Presidente do Governo Provisório, para que sua estação de repouso fosse feita nesta encantadora e hospitaleira cidade.Recebido no Palácio Guanabara por S. Excia. e depois de fazer-lhe o apelo em nome da população e em nome do governo da cidade, mostrando-lhe a honra e o entusiasmo com que o povo petropolitano o receberá, S. Excia. respondeu-me que recebia o apelo com grande satisfação e provavelmente em fevereiro, depois de resolver as questões relativas ao orçamento e após seu regresso de Minas , virá fazer sua estação de repouso em Petrópolis. Atenciosas saudações. Yeddo Fiuza – Prefeito.”( Tribuna de Petrópolis, 18 de janeiro, 1931)
O texto reproduzido da Tribuna de Petrópolis procura destacar a importância concedida pelo interventor recém nomeado para Petrópolis, Yêddo Fiúza, quando de sua visita ao presidente para entregar-lhe a carta da Liga de Comércio, solicitando que Vargas continue a presenciar a cidade com a sua visita como fizeram os demais Presidentes da Republica em seu veraneio que o antecederam. Semelhante, exalta a importância que Fiúza devotava ao mesmo, e que faria politicamente com que fosse seu esteio administrativo nesta nova empreitada[2]. Petrópolis foi, durante o período Republicano, palco de inúmeros movimentos que, pela sua intensidade, se transformaram em verdadeiros conflitos, por vezes até sangrentos. Sendo os mesmos, até o presente momento não estudados. Motivos? Talvez possam ser explicados pelo comportamento e visão tradicionalista germânico que tenha invadido nossos estudos históricos locais, ou simplesmente porque os mesmos fatos possam reabrir cicatrizes ainda existentes no seio de determinados grupos sociais que, durante décadas, mantiveram sob sua tutela a comunidade petropolitana. Mas, o indubitável é que quando os fatos forem cientificamente pesquisados a luz das ciências, talvez possa determinar questões de vital importância como o da paralisação de nossos movimentos econômicos, sociais, políticos e artísticos. Esperamos que não se veja nesta introdução, atos de manifestação contrários à nossa formação, ou mesmo a tudo aquilo de que se forjou a nossa sociedade, mas apenas uma “chamada cientifica” ao reestudo dos fatos que por vezes interpretados à sombra de herméticos conceitos e que conseqüentemente inibiram nossos atos, o que resultou em uma estagnação temporal de nossa produtividade social. Entre os inúmeros e “silenciados” fatos que compõem o nosso acervo histórico, está o ocorrido em fins de 1934 com o Prefeito-interventor designado pelo grupo que procedeu a Revolução de 1930, dr. Yeddo Fiúza, engenheiro, e que obteve total repercussão e participação, não somente no âmbito da comunidade, como também projeção na capital e em outros estados da Federação, que talvez, por si só, se credencie a um dos capítulos mais importantes de nossa História política.
ANTECEDENTES
Assim como a proclamação republicana não abalou os alicerces da estrutura política de nossa comunidade, a Revolução de outubro de 1930 não obteve, por si mesma, significativas adesões em nossa comunidade em seu primeiro momento. Não interferindo a não ser pela via administrativa, no comportamento de nossa sociedade.Isto talvez possa explicar pelo grau de paternalismo político de determinados grupos aristocráticos, impunham à sociedade. Assim desde o estranhado coronelismo tradicionalista fruto da Guarda Nacional, até a determinadas famílias “abastadas”, que aqui se faziam presentes com suas empresas e tradições e seus suntuosos palacetes. Era a época dos “coronéis de punho-de-renda”, que associados aos demais e refugiando-se no Partido Republicano Fluminense, faziam do mesmo seu hino e propaganda de pseudoliberalismo. Sufocavam quaisquer movimentos de contestação que porventura aparecessem e lhes estorvassem a liderança local, como o ocorrido com o movimento operário que sucumbiu a estas e outras diversas pressões.Esta tutela política chegara a tal ponto que diversos grupos se intercalavam no poder, chegando em ultimas instancias a verdadeiras disputas sob as mais tradicionais formulas, tais como jaguncismo, assassinatos, tiroteios e outros [3], formulas comuns ao “voto de cabresto”, aos “currais eleitorais”. São, em perspectiva, formas sinônimas às demais aplicadas pelo restante interiorano do país, e que suprimiam quaisquer “ninhos” de protestos das populações pobres, ignorantes e operárias.Teremos também de relevar o nosso comportamento inconstante no seio administrativo de nossa comunidade. É que hoje computados 125 anos de administração, seja pela Câmara ou pela Prefeitura, obtivemos a média de 240 administradores, entre Presidente de Câmara, substitutos, intendentes, Prefeitos, Vice-prefeitos e interventores. Uma proporção de 1,9 administradores por ano, ou melhor, um a cada oito meses e meio. É fato, que se deve praticamente os 50% dessa inconstância às mudanças ocorridas na estrutura político-administrativa de nossa federação, porém, não se eliminam, também, as nossas culpabilidades.Retornando ao assunto em perspectiva, assinalaremos demais características registradas e encontradas no município, tais como, fraudes eleitorais, cancelamentos de diplomas eleitorais sob coação, os currais eleitorais e o “voto de cabo-de-enxada”, que encontraram como já assinalado, representatividade.
“Moreirismo” X “Buarquismo”
Ao final da década de 20, Petrópolis se encontra às voltas com as disputas nas hostes do Partido Republicano Fluminense local. São os “moreiristas”, partidários do Vereador e Senador, dr. Joaquim Moreira [4], e os “buarquistas”, seguidores do ex-prefeito dr. Paula Buarque. Era a política de interesses, que com as “alegadas fraudes” nas eleições de 1929, chegam ao ápice da discussão, com o tiroteio no interior do Café Central, posteriormente Loterias Joãozinho e atualmente Papelaria Semadri, e que, segundo jornal da situação na época [5], é visto como assassinato e, por outro caracterizado como “uma disputa de armas”. É fato, porém, que neste episódio sucumbe o filho do então Capitão João Duarte da Silveira, tabelião local, Radetzky Duarte da Silveira, com um tiro disparado por Boaventura de Azevedo Coutinho, vulgo “Capitão Vivi”. O primeiro era das hostes do “buarquismo”, e o segundo “moreirista”. O motivo do episódio teria sido o cancelamento, na véspera, da diplomação eleitoral do Prefeito Romão Jr., também pertencente ao grupo “moreirista”, em favor de Ary Barbosa. Fato é que, “buarquistas” alegavam vingança pela morte do Motta na posse de Paula Buarque.Com a Revolução de 1930, o esfacelamento partidário se concretiza, resultando no engajamento das várias correntes sob siglas diversas. Os remanescentes do “buarquismo”, se filiam ao Partido Popular Radical, o PPR, chegando até mesmo a elegerem membros nas eleições de 1933 destinadas a formação da Assembléia Nacional Constituinte. - A este partido estavam filiados políticos como: João Duarte da Silveira, Arthur Barbosa, Alcindo Sodré, entre muitos outros. Já os “moreiristas”, aliados a outros grupos, se unem ao Partido da União Progressista. Existiam outras agremiações políticas tanto no Estado como no município, porém de reduzidíssima expressão, o que não chegava a ameaçar as grandes e poderosas lideranças. Observação se faça ao importantíssimo papel da imprensa que tutelada por estas lideranças, em uma efetiva propaganda política, conseguia manobrar a população, sempre a colocando como arma a favor de suas aspirações.
1934
Ano marcado pela promulgação da Constituição pela Assembléia Nacional Constituinte instalada no ano anterior. Ano em que o Congresso Nacional elege indiretamente, Getulio Vargas, Presidente da República.Para Petrópolis, é um ano onde o comportamento administrativo, tanto na área Estadual como na Municipal, ganham no politicismo as irreverentes participações. Ele se inicia ao som da greve dos funcionários dos Correios & Telégrafos, e entra mais em ebulição quando em maio cresce a célebre questão do Banco Constructor, que, com discussões acaloradas, dominarão o ano e as manchetes dos jornais [6] e nos conduzem aos fatos que nos são título.É o Banco Construtor, desde a primeira década do século, sob contrato com a administração municipal, a administradora dos serviços de energia no município. Havia um grande débito da Prefeitura com o contratado, e era alegado que o Banco Construtor cobrava taxas exorbitantes. Em maio, por intermédio do decreto no. 452, o Prefeito-interventor, Yêddo Fiúza, rescinde o contrato entre o Banco e o município para o fornecimento de água e luz, abrindo logo a seguir, pelo decreto de no 457, de julho, crédito para a administração do fornecimento de novos serviços.Em agosto, a greve dos funcionários da Leopoldina, toma espaço nos jornais, sendo acompanhada por noticias da criação do Partido Petropolitano Independente [7]. Seguem-se-lhe, boatos da formação de um Partido Nacional, com todos aqueles que retornaram do exílio. Repercute também a eleição de Adolf Hitler na Alemanha. Porém as manchetes mais destacáveis são os da péssima administração do Secretario de Obras do município[8], o que o conduz à demissão, e as da greve nos serviços de força e luz, que paralisa o fornecimento para o município. Isto leva o Prefeito a solicitar a intervenção da CBEE no restabelecimento do fornecimento, causando-lhe sérias acusações de estar simplesmente querendo substituir a empresa administradora dos serviços por outra que lhe tivesse mais simpatia. Durante dias as acaloradas discussões vagueiam pelos editoriais dos jornais. Setembro inicia-se com a caravana do Partido Socialista Fluminense em Petrópolis, e, de sua pequena convenção, saem como representantes locais: Cícero de Matos, Silvio de Mattos e Carlos Paixão.A questão energética retoma seu espaço politicamente com os boatos de que Fiúza pretendia deixar o cargo. Várias categorias profissionais petropolitanas e suas respectivas associações se mobilizam e resolvem lhe hipotecar solidariedade e se movimentam apelando ao Presidente da República e ao interventor estadual para que mantenha Fiúza no cargo. Para tal foram alegadas por estes grupos, obras de vulto e o saneamento das finanças municipais, enfim, de uma “esmerada administração”.Os boatos, contudo, não se concretizam e o ritmo eleitoral se impõe. Nas eleições, vitórias são alcançadas pelo Partido da União Progressista, que lança por Petrópolis, Romão Jr. e Eduardo Duvivier respectivamente às Câmaras Estadual e Federal.Alicerçados com esta vitória, o Partido da União Progressista, com o apoio de segmentos classistas, parte para seu fortalecimento no município, apoiando Fiúza que, até a presente data se mantivera sem nenhuma pretensão a filiação e que sofria com a questão do Banco Construtor severos ataques. Criam, para tal, a UP – União Petropolitana, pretextando a defesa de Fiúza e utilizando ruidosamente um poderoso veículo, a imprensa. Assim, durante várias semanas, um dos jornais move campanha pela permanência de Fiúza na Prefeitura. Como resultado imediato, em 16 de novembro, sob estrondosa aclamação da massa popular, lhe é entregue o título de Cidadão Petropolitano, um artifício populista que reproduz conseqüências desastrosas à nossa comunidade. A primeira delas, é a imposição de determinadas medidas pela interventoria fluminense, por intermédio de seu representante, Comandante Ary Parreiras, a Fiúza para que este reativasse os contratos da municipalidade com o Banco Construtor, e pagasse as dívidas que a Prefeitura tinha para com o mesmo.Os ânimos se exaltam, e as colunas dos jornais descarregam a sua fúria contra o interventor estadual, acusando-o de compromisso com os banqueiros. Em contraproposta, outro órgão alimentado pelas hostes do Partido Popular Radical, acusa Fiúza de sua preferência pela entrega dos serviços e o controle da CBEE, que já era mantenedora dos serviços de transportes de bondes no município, e para reforçar tal, citam como exemplo de exploração, os contratos assinados para exploração do Mercado Municipal e do Matadouro Municipal.
DO PEDIDO DE DEMISSÃO AOS CONFLITOS
Poucos dias após o comunicado, em 29 de dezembro, Fiúza torna-se demissionário e as festas de fim de ano não serão mais marcantes do que o pedido de demissão.A noticia se alastra, e no dia seguinte, domingo 30, desde a manha, corre a convocação ao comício que se realizaria na Praça D. Pedro, às 17 horas, com a participação de centenas [9] de populares. Este se realiza sob acalorado clima, com oradores inflamados que em seus discursos enaltecem o trabalho realizado pela administração.Na segunda-feira, véspera de ano novo, era o dia marcado para a posse do novo Prefeito, Sthephan Vanier, ex-secretário da Industria e Comercio do Estado do Rio de Janeiro, designado pelo interventor estadual. Em protesto, o comercio em geral não abriu suas portas, fábricas e oficinas também permaneceram paralisadas, ônibus e bondes trafegaram até determinada hora. Todas as atividades cessaram.Por volta das 13 horas, vários grupos se encaminharam à praça D. Pedro, e os oradores se pronunciam sobre os últimos acontecimentos. Comentam a aceitação por parte de Fiúza do cargo de Chefe das Estradas de Rodagem Federais, recém criado. Às 14 horas, já era imensa a massa popular, que não se concretizando os comícios, seguem para a Rua D. Pedro, onde residia o prefeito demissionário, não sem antes envolverem o monumento a D. Pedro II e os globos de iluminação locais em papel crepe e lhe afixarem um cartaz:“Para que não veja a desgraça de Petrópolis”Ato feito, o prefeito comparece à varanda de sua, casa tendo ao lado a comissão nomeada para busca-lo. Diversos oradores se sucedem, e até o próprio Fiúza se dirige à massa humana “pedindo a maior calma possível para que fossem evitadas quaisquer desordens”.Deixando a Praça, a massa humana sai em passeata pela cidade, por ambos lados da Avenida XV de Novembro, onde o povo na ocasião preconizava o fato de ser a Avenida Yêddo Fiúza, ato não concretizado, e realizaram o enterro simbólico do interventor estadual, Ary Parreira. Traziam um caixão e se dirigiram para a Estação com o intuito de recepcionar o novo prefeito. No trajeto ocorre o primeiro incidente entre o povo e os cavalarianos que escoltavam à margem, a marcha. Foi em frente ao prédio dos Correios & Telégrafos, que um soldado se irrita com as insinuações populares e saca a arma. Segundo versão de alguns populares, segundo declaração dos jornais, ele procurava alvejar um dos chefes do movimento, sendo impedido por um companheiro, e ambos são vaiados pelo povo. Outro jornal também acusava o sub-delegado, Aristides Flaeschen, “um comerciante falido”, de ofender o povo quando de sua passagem. Na Estação, ao tomarem conhecimento da não chegada do trem, retornaram à Prefeitura, segundo alguns jornais, “desrespeitando as ordens policiais”. Novos incidentes se sucedem, e populares mais exaltados, ou incitadores, não se sabe ao certo, atiravam pedras nos policiais, enquanto outro grupo ensaiava um movimento hostil contra a redação de um jornal.Às 16 horas, é noticiado que o novo prefeito após haver embarcado em um trem às 13.30 hs na estação de Barão de Mauá, ficaria na Raiz da Serra, pois o pessoal da Leopoldina se negara a transporta-lo até Petrópolis. Às 18 horas, ele subia a Rua João Pessoa de automóvel, dirigindo-se à Prefeitura, sendo que, momentos antes, para lá haviam se deslocado um pelotão de cavalarianos, guardas-civis e praças de infantaria. A posse transcorreu ao som incessante dos gritos vindos da massa humana, postada do lado externo do prédio, cujas palavras de ordem ecoavam, “... morra o governador...” – “... morra o interventor...”, além de constantes vivas dados a Fiúza.A pesar da inquietação o povo não se excedeu e os policiais se mantêm tolerantes. Alguns citam que realizada a posse, o novo Prefeito, amedrontado com a situação, retornou à capital. Porém às 20 horas, têm inicio os acontecimentos mais trágicos.Na confluência da Avenida XV de Novembro com a Rua General Osório, um grupo de populares tentava obstar a passagem de um bonde, expulsando seus passageiros e o motorneiro. A política tenta impedir a depredação, recebem ordens do sub-delegado para fazerem uso das armas, dando tiros para o alto, com o único objetivo de amedrontar a turma. Inesperadamente, dos sobrados da residência do Coronel João Duarte da Silveira, tabelião do município, inicia-se a fuzilaria contra o povo. Confusão correrias e gritos ao fim de poucos minutos de horror e estupefação havia ao chão quatro populares alvejados e um dos quais já morto, Domingos Gaspar. O povo refeito do susto e revoltado, não se intimidam e investem contra a casa do Tabelião, procurando arrombar-lhe a porta, enquanto novos tiros partiam de seu interior, pois agora, se tratava do “instinto de preservação!”, de quem se encontrava dentro da casa. Os feridos eram levados para a Farmácia Fluminense, nas proximidades, enquanto os mais graves eram conduzidos para o Hospital Santa Teresa. O tumulto se generaliza e a policia entra em cerrado tiroteio, ora atirando contra os sobrados e janelas das residências, ora a esmo. Quando tomba mais uma vitima fatal juntamente com outros feridos do grupo que se encontrava à porta do Teatro Capitólio. Deduzem que os tiros só poderiam ser disparados do ângulo em que se encontravam os policiais. Grupos de populares ainda continuaram a se arremeter contra a porta e conseguem retirar desta o dr. Samideano Duarte da Silveira, filho do Tabelião, puxando-o para a calçada e aplicando-lhe violenta surra, enquanto o delegado, dr. Toledo Pizza, procurava retira-lo das mãos dos populares e conduzi-lo à Delegacia. E impedido, os populares atiram o dr. Samideano ao rio, donde o mesmo é retirado mais tarde pelos bombeiros. Já eram 23 horas, quando se inicia o último tiroteio entre a policia e os ocupantes da casa. Com maior intensidade e obrigando os populares a se afastarem e se refugiarem. Havendo sido solicitada uma Companhia do 1o Batalhão de Caçadores para guarda da cidade, e com a fuga dos ocupantes da residência, normaliza-se a situação. Era meia-noite, “o ano chegara ao fim”.
REPERCUSSÕES E CONSEQUÊNCIAS
O saldo de vitimas deixado pelo conflito era de dois mortos e seis feridos graves. Os “criminosos” haviam se evadido, e corriam os boatos, para muitos infundados, de que estariam homiziados na casa do Coronel Antonio José Teixeira, em Pedro do Rio.As manchetes dos jornais do primeiro dia do ano eram contundentes. Falavam do protesto da população; da afronta ao “brio petropolitano”; da satisfação dos ódios pelo interventor e pelo Partido Popular Radical; eram citados, como responsáveis, e de conluio com a “quadrilha Caparaó”, como eram denominados os Duarte da Silveira.Os jornais cariocas dedicaram manchetes e colunas inteiras ao assunto – O Globo, Correio da Manhã, Diário de Noticias, A Pátria, O Avante, a Vanguarda, O Jornal e o Jornal do Brasil. O periódico A Noite, dedicara uma edição inteira e ilustrada [10]. A grande maioria tecia elogios ao caráter do povo petropolitano. Os matutinos, Diário Carioca e o Diário da Noite, se posicionaram contra. A repercussão chega a ser tão grande que ganha destaque nos jornais paulistas e interioranos. O interventor acusado, em comunicação à imprensa, pede a formação de um tribunal de honra. Os proprietários do Banco Construtor, aproveitando-se da confusão reinante, invadem e retomam as instalações do Banco, colocando um cabo de alta tensão em torno das usinas geradoras de sua propriedade. É organizada uma comissão intitulada PRÓ-DEFESA DE PETRÓPOLIS, que inicia contatos com o Secretário da Justiça do Estado, Dr. Ruy Buarque. Imensa massa popular comparece ao enterro das vitimas.No dia quatro, por ato, é retirada a nomeação de Vanier, sendo designado para o seu lugar o Capitão José de Carvalho Jr., coletor estadual em Petrópolis, e que toma posse no dia seis. no dia 10, torna-se nulo o único assinado por Vanier ( n. 493), que dava posse a várias pessoas estranhas ao conjunto municipal. Durante dias, semanas e meses, os fatos são discutidos. Os processos policiais se arrastam e na questão do Banco Constructor se processa lentamente.O Capitão José de Carvalho Jr. faz uma administração tampão calma, e se candidata a prefeito do município pelo Partido Popular Radical contra o próprio Yêddo Fiúza que sai em legenda - e é eleito – pelo Partido União Progressista, em 1936, retornando a Prefeitura.
BIBLIOGRAFIA
Fontes Primárias
- Impressos e coleções de jornais e revistas petropolitanas pertencentes a Hemeroteca Pública sediada na Biblioteca Municipal de Petrópolis;- Coleção de Leis e Decretos Municipais, Biblioteca Municipal de Petrópolis.
Fontes Secundárias
- CARONE, Edgard. A República Velha, Difel, São Paulo, 1974.
Fontes Orais
Depoimentos: Leopoldo Paladino, ex-membro integralista em Petrópolis.

[1] Ensaio publicado na primeira pagina do segundo caderno em 21 de janeiro de 1984[2] Tanto o recorte como o parágrafo inicial foram inseridos posteriormente à publicação.[3] Tais fatos ocorriam nas “fronteiras” da área urbana e industrial petropolitana com as áreas rurais, as de fazenda, presentes nos inúmeros distritos e limites com municípios fronteiriçoes de então. Segundo relatos presentes nos jornais da época. Muitos políticos petropolitanos eram fazendeiros destas áreas, ou representantes destes. Não podemos nem mesmo eliminar os bacharéis. [4] A Constituição permitia a acumulação de cargos. [5] Quando da publicação do artigo na época, os títulos dos jornais não foram inseridos para que não se compromete-se a posição da Tribuna com os fatos pesquisados, já que se publicaria no mesmo jornal o ensaio. Quanto ao original, que continha aos mesmos, foi extraviado com a mudança de residência do autor. [6] Neste ensaio, na época de sua publicação, não fiz indicação dos jornais da mesma época nas referencias citadas pois entre eles encontrava-se na oposição forte e critica à Fiúza, a Tribuna de Petrópolis, órgão que publicou o ensaio. Quanto aos rascunhos e originais do mesmo, perderam-se posteriormente na redação. [7] O que não se concretiza. [9] Na ensaio original publicado afirmamos dezenas, pois estas eram as informações dos jornais da época, porém ao examinarmos detidamente as fotos da época, constatamos que eram centenas de pessoas, e que os jornais enganaram-se, porém suas referencias eram as mesmas do delegado de policia na época. Quanto as manifestações do dia seguinte chegaram a milhares, pois ocuparam não somente a praça D. Pedro, mas também a Avenida XV de Novembro, segundo também depoimentos. [10] Possuía uma agencia em Petrópolis com correspondente e fotografo.

OS URBANISTAS

OS URBANISTAS: A HISTÓRIA LOCAL NO SÉCULO XX[1]

Em nosso último artigo (“Em tempos de rodoviária...” 21/12) registramos a histórica presença do famoso urbanista mundial do período entre-guerras, Alfred Agache.E a curiosidade histórica de alguns de nossos leitores sobre este momento da história petropolitana se aguçou a ponto de solicitar-nos algumas explicações.Em primeiro precisamos registrar que Petrópolis possui uma grandiosa história local, cujo registro é lento e corre risco de se perder.Não existem investimentos públicos nem privados para que se constitua um Arquivo Geral nos moldes do Rio de Janeiro, São Paulo ou das menores ou melhores cidades européias e norte-americanas.Durante algumas décadas não produzimos professores nem especialistas no setor por descaso administrativo, munícipe ou universitário. Até mesmo nossa educação historiográfica está prejudicada por excesso de pedagogismos “verborrágicos” e politiqueiros. O IHP (Instituto Histórico de Petrópolis) luta sozinho e bravamente, sem verbas ou investimentos para registro de suas pesquisas, sendo neste particular reduzido o grupo de pesquisadores com trabalhos efetivos que se encontra no mesmo, e que com galhardia procuram registrar em site próprio suas pesquisas, mesmo com criticas de acadêmicos teóricos e puristas.Quando se discute urbanismo no século XX em Petrópolis, os registros são ralos e esparsos, ou dominados por propostas “pseudo-modernistas” que ferem toda uma estrutura histórica que é a do Plano Koeller.Ao falar de Agache, me referi a uma proposta de adequação de preservação do sitio histórico ao desenvolvimento da área periférica que era defendido bravamente por grupos como o de Guilherme Eppinghaus e outros petropolitanos coerentes, que observavam a aberração política que nas décadas seguintes tornaria Petrópolis uma impossibilidade. Agache, antes de sua frustrante visita técnica à Petrópolis, desenvolveu junto com Attílio Lima, (primeiro brasileiro a apresentar tese no Institut d’Urbanisme de Paris) o Plano de Remodelação e Embelezamento do Rio de Janeiro (1929), e após a “frustrante” visita no ano de 1943, junto a empresa Coimbra & Cia. criou o Plano Agache, de Curitiba, considerado um dos primeiros planos de reurbanização do Brasil, que muito orgulha os curitibanos por incluir medidas de saneamento, definição de áreas para habitação, serviços e indústrias e reestruturação viária que é sua principal base de sustentação. Curitiba possuía nesta época 127 mil habitantes, ao passo que Petrópolis comportava pouco mais de 50 mil.Petrópolis não precisava de desenhos novos, mas de racionalidade de suas propostas de crescimento e ocupação, para que não comprometesse o projeto original de Koeller. O Dr. Mario Aloísio Cardoso de Miranda, então prefeito, observara este fato, pois contemporâneo do Embaixador Leitão da Cunha e de R. Haack, contemplava os registros fotográficos (Arquivo do Museu Imperial) de ambos do centro da cidade (muitos transformados em cartão postal) junto com Eppinghaus, e já notavam a invasão resultante do crescimento populacional o que conduzia a que elaborassem o que hoje existe em inúmeras cidades brasileiras e pode ser denominado como Plano Emergencial de Gestão das Cidades.Mas, a avalanche especulativa e financeira produziu ruinosos efeitos nas mãos de administradores municipais quem nem eram petropolitanos, mas sim interventores “estrangeiros” que se seguiram. Semelhante resultou na abertura de bairros sem planejamentos e ocupações desordenadas de centenas de loteamentos irregulares que foram oficializados por vereadores “papalvos”, como frisou posteriormente Silvio Júlio (em seu livro “cassado” nas livrarias), historiador pernambucano reverenciado no exterior como um dos maiores estudiosos de América Latina, que aqui residiu até sua morte combatendo os arbítrios em nossa cidade.Um olhar atento na atualidade observaria que qualquer mudança do eixo urbano, seria um crime praticado por três ângulos: contra o histórico, contra o sócio-econômico e contra o eco-sistema marginal da BR-040.Algo que não resultaria em produto benéfico à comunidade como frisam “defensores”, mas que históricamente pode qualificar-se como destrutivo, pois quando se trata de uma região serrana o que necessita ser contido é o crescimento populacional que por sua vez privilegia o histórico e continuo movimento imobiliário especulativo e politiqueiro.Não possuímos um “Lerner”, mas produzimos bons especialistas que podem e devem ser consultados. Alguns até trabalham na própria administração pública, sufocados.Quando mencionamos a foto do Embaixador Leitão da Cunha (Museu Imperial), uma destas retrata nos jardins do prédio da Câmara um passadiço com piso de azulejo que segundo muitos ex-funcionários antigos foram frutos de um projeto de Burle Marx quando recém formado (anos 30). E que talvez esteja “soterrado”. Uma boa proposta arqueológica para um trabalho que se verdadeiro, nem registro nacional possuí, e nossa sociedade se encarregou de sepultar. Por falar em sepultamento, na mesma época, anos 40, Cândido Portinari produziu duas pinturas sobre Petrópolis que se tornaram celebres a nível nacional por seu protesto político a condição especulativa imobiliária que atingia a cidade, uma destas inclusive foi capa de um guia telefônico da extinta TELERJ.

[1] Publicado na Tribuna de Petrópolis, em 27/12/2005, p.2.

EM TEMPOS DE RODOVIÁRIA

EM TEMPOS DE RODOVIÁRIA...[1]

Quando abrimos tanto nossos jornais como os da “capital”, nos deparamos com a questão da “nova rodoviária” E observamos que pontos tanto pró como contra são abordados.Sem sombra de dúvida levaríamos tempo avaliando sobre a decisão política ou mesmo técnica de sua construção. Mas constataríamos que o predomínio de escassas consultas sobre modelos urbanos prevaleceria sendo que se sobressairia o fato de que técnicos ou formações como as do IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) são coisas do passado, diante da verticalização das decisões políticas do presente.Fatores essenciais que de há décadas foram sepultados na maioria das cidades brasileiras pelo imediatismo político e em alguns casos até mesmo eleitoreiro.Sabemos o quanto, em nosso caso, a discussão sobre a preservação do sitio histórico torna-se questão cotidiana, principalmente em época de receita turística. Também sabemos o quanto a desordem demográfica e a consequente especulação imobiliária tornou o primeiro distrito de Petrópolis um sitio “mexicano”.Foram retiradas várias linhas de ônibus inter-municipais, porém permanecem carretas, caminhões de tonelagens míticas, sem falar nos rendosos estacionamentos públicos ou particulares.Por diversas épocas a discussão sobre a preservação da “urb petropolitana” se fez presente nas inúmeras administrações. Sendo que sempre prevaleceram as decisões de caráter político e não técnico.Lá se vão, perdidos na década de 20, os urbanistas à européia que plantaram magníficas magnólias que por décadas transformaram-se em elogio para Burle Marx e outros paisagistas nacionais.A realidade é que ao final de década de 30 e início da de 40, a propensão ao modismo “modernista”, de base norte-americana, principalmente o de resultado especulativo financeiro conduziu a uma enxurrada de “espigões” que quase destruíram o sítio e venceram a firme deliberação do Dr. Mario Aloísio Cardoso de Miranda, prefeito, que havia proibido a construção de “arranha-céus”.Cardoso de Miranda para se contrapor as pressões que eram diversas, convidou (25-01-41) para vir a Petrópolis o professor Alfred Agache, famoso urbanista francês e mundial do período, do Institut d’Urbanisme de L’Université de Paris, maior escola de urbanismo do mundo (1924), que afirmou, segundo os jornais petropolitanos que Petrópolis era uma “obra de arte. Declarou que em sua carreira não tivera em suas mãos cidade de tantas possibilidades para um trabalho perfeito e que poderia se colocar como a mais bela cidade do Brasil, senão do universo”Mas o projeto não seguiu adiante.Cardoso de Miranda chegou a permitir a construção de edifícios na recém criada XVI de Março, e outros periféricos, sinal de que as pressões eram muito fortes, o que o levou a demitir Guilherme Eppinghaus visto pelos modernistas como o grande entrave as construções na Rua do Imperador.Superiores pressões “pseudo-modernistas” levaram a exoneração de Miranda pelo então interventor fluminense, Amaral Peixoto, genro de Vargas, que constantemente veraneavam em Petrópolis é eram seduzidos pelos grupos opositores.Era o limiar de administrações que afirmavam que transformariam radicalmente o “modus vivendis“ tanto da classe média como da classe pobre petropolitana e que de forma populista trouxeram o “caos nosso de cada dia”.Os loteamentos autorizados em encostas, que trouxeram desastres e inúmeras vitímas, e tornaram-se realidade histórica nas décadas seguintes.Os altos edifícios da Rua do Imperador, e suas “gaiolas” que seguiam os padrões tanto do modismo paulista como do carioca da Era Martinelli ou da Noite, e que em nossa cidade se perpetuaram por várias administrações e interesses.Em nosso caso foram autorizados em “cascata” (dez edifícios) na administração de Flavio Castrioto (27-01-1946), assim como outros tantos na de Marcio de Mello Franco.F. Koeler planejara uma “urb”, única no mundo no século XIX, para que esta chegasse em futuro ao máximo de cem mil habitantes bem distribuídos, mas não para um “boom” de trezentos mil, que é um resultado da política migratória e de legalização de encostas sob a forma de “bairros”.Quanto ao famoso plano da Rua do Imperador, há muito que a discussão sobre a sua dimensão urbana se faz presente, com a questão dos trilhos dos bondes, dos lotações, e de sua estratégica estação ferroviária.A ligação com o Rio nos anos 30, por moderna frota de ônibus trouxe por necessidade para a área externa da estação ferroviária a extensão de uma cobertura que se transformou na Rodoviária de Petrópolis destinada a receber os ônibus da UTIL, e posteriormente os de D. de Caxias entre outros.Ao final da década de 30 a renovação urbana de Petrópolis se processava em substituição aos bondes e aos antigos lotações sucessores das “caranguejolas” que produzidas em Petrópolis com carrocerias alemães (Bade),eram inclusive comercializadas no Rio aos condutores lusitanos, ex-motorneiros, que abandonavam os bondes para se aventurar como empresários de linhas para os bairros próximos ao centro.Em Petrópolis, João Varanda, que com sua magnífica oficina e posto de gasolina no histórico prédio, atual estacionamento do ABC, na Paulo Barbosa, vislumbrou também os transportes urbanos em Petrópolis e criou a “Rodoviária Sul Petrópolis”, empresa moderna que a principio contou com seis linhas substituindo os pontos finais de bondes e outros, mas que deu inicio a uma verdadeira cruzada para os bairros acompanhando o crescimento populacional atrelado às industrias e ao movimento de veraneio provocado pelo fator Cassino Quitandinha (1944), e seguido processo migratório.Para resolver o problema das carrocerias, Varanda concebeu a JEOVA, empresa que produziu carrocerias para todo o Rio de Janeiro. Sendo seguido por Kreischer e outros pequenos empresários.Varanda inclusive subsidiou a construção do primeiro abrigo de ônibus urbano de Petrópolis considerado por muitos nos anos 50 e 60 como a Rodoviária Urbana de Petrópolis, o abrigo Prefeito Oscar Weinchenck (1946), hoje ameaçado por um “mega” efeito imobiliário que ensaia seus primeiros passos para continuar a “emparedar” a região.Como constatamos a descaracterização é lenta e corrosiva, até pensou-se na “disposição” da rodoviária que é um ato, mas na mudança do “eixo” sócio-urbano, cujos transtornos econômicos e sociais seriam críticos? Nunca!Observamos que na verdade Petrópolis necessita ser discutida tecnicamente em seus detalhes urbanísticos e não imposta. Isto, antes que nada mais reste ao seu ente social.

[1] Publicado na Tribuna de Petrópolis em 21-12-2005, p.2.

MATADOURO & MATANÇA DE GADO EM PETRÓPOLIS

MATADOURO & MATANÇA DE GADO EM PETRÓPOLISMATADOURO & MATANÇA DE GADO EM PETRÓPOLIS[1] &[2]

Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, professor e pesquisador, licenciado em História pela UCP e pós-graduado em História do Século XX pela UCAM – oazinguitoferreira@gmail.com

“Segundo relatório do prefeito Yêddo Fiúza, de 1932, o número de cabeças abatidas por ano no Matadouro modelo criado em 1928, aumentara para 12.449, possibilitando ao município uma receita da ordem de 94:653$000 réis.”
(in, Silveira Filho, Oazinguito Ferreira, Matadouro & Matança de Gado em Petrópolis – 1920/1981, Tribuna de Petrópolis,

10/11/1984)


A questão da “matança de gado” em Petrópolis, confundem-se com a história muitas vezes polêmica, do matadouro petropolitano. Quando falamos em “matadouro” não nos referimos somente ao estabelecimento oficial, imponente estrutura arquitetônica situadas na Rua Barão do Rio Branco, extinto Quarteirão Westphalia em 1928, onde atualmente se encontra abrigado o Liceu Carlos Chagas[3], mas também aos “matadouros” oficiais e não oficiais que ela e a extinta Rua Dom Afonso outrora possuíram, bem como os de particulares. É obvio que destes se destaca de empreitada oficial, realizada no município provavelmente desde 1856.

ORIGENS DO ABATE

A população da Petrópolis – colônia, realizava seu corte de gado desde 1843 em um largo situado à Rua Dom Afonso, atualmente denominada avenida Koeller[4]. 
Porém como paso-a-paso a colônia crescia desenvolvendo-se em ritmo acelerado, fica evidente o consumismo de carne-verde[5] que se processava. Além disso, a matança não ficou restrita à praça publica, deslocando-se também para os quintais de algumas residências particulares, ou fundos de açougues e salsicharias, caracterizando o que podemos denominar como “matadouros 
domésticos”, e o que constantemente criava transtornos e reclamações por parte das residências vizinhas.
Sabe-se, segundo informações de Antonio Machado[6], que ergueu-se na Rua Dom Afonso, um alpendre destinado a abrigar tal processo e que funcionou até 1857.
Esta preocupação para com a legalização e centralização tanto do abate, assim como do corte e venda do produto em Petrópolis, assume tal magnitude que se torna uma problemática oficial. 
Em relatório de 1858, o então diretor da Imperial Colônia de Petrópolis, Capitão de Engenharia José Maria Jacinto Rebelo, observa, segundo suas estatísticas, que os colonos já contavam chegava a casa 1.330 cabeças. Efetuando ele conseqüentemente a compra do terreno na Westphalia para construção de estrutura destinada ao mesmo e despendendo para este fim a quantia de 6.000$000 réis. No mesmo documento o Diretor trata de submeter projeto de sua autoria ao Presidente da Província para edificação do prédio do Matadouro. Não podemos informar o resultado do processo, e se este se concretizou, em virtude da falta de dados.  
Por algumas estatísticas da época, sabe-se que em 1860 Petrópolis já contava com três açougues e salsicharias, todos situados à Rua do Imperador e em 1854 acrescentam-se mais uma casa (três dos proprietários eram de nacionalidade francesa). Este volume comercial indica uma significativa exploração do comércio de carne-verde, o que justificaria, portanto o aparecimento em 1858 do Açougue Publico no n. 5 da mesma rua.
Construído o matadouro, provavelmente entre 1855 e 1857, o mesmo é administrado pela Câmara Municipal da Estrela (Requerimentos encaminhados à Câmara Municipal de Petrópolis, em 1859), passando posteriormente à administração da Câmara Municipal de Petrópolis, com a sua criação de 1859.

O MATADOURO NA WESTPHALIA E AS FRUSTADAS TENTATIVAS DE TRANSFERÊNCIA

Como podemos observar em uma rápida analise de suas origens a preocupação oficial de regularizar a iniciativa, levou o município a empresaria-lo, impedindo o acesso de particulares. Já que segundo aos olhos dos vereadores de então a atividade era muito lucrativa para que o município não participasse do empreendimento. 
Porém essa municipalização tinha o propósito “oficial” de coibir os abusos da iniciativa privada no que concerne a exploração “avilssareira”, como era mencionado na época, com o produto e buscando também alegar o respeito à postura publica, ao mesmo tempo em que controlava também o problema sanitário aliado ao mesmo.  
Porém, mesmo com instalações consideradas adequadas para época e local satisfatório, a cidade evoluía, seu núcleo urbano, tornando-se a região ocupada pelo Matadouro mais importante zona residencial da cidade. Advindo conseqüentemente uma onda generalizada de protestos, os quais alegavam inúmeros motivos tais como: mau cheiro, urubus, poeira pela constante passagem do gado, interrupção do transporte, e outros mais. Por estes, a comunidade em diversas épocas expressou o seu descontentamento, chegando a dirigir requerimentos com dezenas de assinaturas à Câmara Municipal. Este conflito chegou inclusive a ganhar as colunas dos jornais de então, gerando debates.  
Por tais protestos, estudou-se por várias ocasiões a transferência do mesmo, sendo que os momentos em que mais chamaram a atenção pela seriedade em que eram abordados, foram o da década de 70 de Egallon & Sampaio, concessionário do Matadouro Municipal para a Fazenda de Olaria em Corrêas, e posteriormente em 1987 com a compra das terras pertencentes ao Visconde de Cruz Alta, nas várzeas dos Rios Mortos e Piabanha, pela Câmara Municipal, mas que não chega a concretizar-se. 
A Câmara Municipal após haver normalizado a questão do Matadouro na década de 60, deu inicio a uma rígida fiscalização para verificar a obediência ao código de posturas, para tanto, inúmeros estabelecimentos e residências são advertidos ou mesmo autuados, este trabalho contava com auxilio do serviço de saúde do município nos casos de epidemias.
As pesquisas também nos conduzem a observar as diversas propostas que a partir da década de 60 a Câmara Municipal recebe de arrematação do Imposto Municipal sobre o abate no Matadouro, e que nos apresentam operações altamente lucrativas que excediam a casa dos 1:000.000$000 réis, e eram abertas a particulares capitalistas, muitas vezes sob a forma de 
concorrência.

CONSERTOS E EPIDEMIAS

Notamos também nos inúmeros processos em andamento na Câmara que seguem de 70 a 90, alguns pedidos de consertos de portões, construção de anexos que fazem os administradores, o que nos conduz a dedução de que a antiga construção se manteve a mesma por mais de 50 anos, com somente alguns consertos necessários, mas sem reformas profundas.  
Outro ponto comum que podemos identificar é o de que o Matadouro Municipal se transforma no domínio dos marchantes ao final do século, e que estes influenciam politicamente os interesses do mesmo. 
Constatamos também que foram inúmeras as epidemias que afetavam o fornecimento do Matadouro Municipal, já que desde 70 a criação da cidade não era suficiente para o consumo. Porém, nunca ocorrera uma epidemia que sacrificasse o funcionamento do estabelecimento, a não ser em 1894, quando uma quarentena obriga. “Consta-nos que a bordo do Potosi estão 450 reses destinadas a esta cidade, e que o paquete tem de ir purgar quarentena de oito dias na Ilha Grande.[7]”
Em virtude do problema os preços da “carne verde” no município subiram desordenadamente o que obrigou a Câmara a fixar tabela ao comércio do mesmo com ampla fiscalização nos estabelecimentos. 

MAIOR RECEITA DO MUNICÍPIO?

O subtítulo muito espantaria os estudiosos de historia econômica municipal, mas segundo vários mapas demonstrativos sobre Receitas e Despesas presentes na documentação da Câmara Municipal, principalmente nos períodos que seguem de 1900 a 1920, chega-se à conclusão que após a arrecadação com os impostos prediais e territoriais, a segunda maior receita do município 
advinha dos serviços prestados no Matadouro Municipal, por intermédio dos impostos de Talho de Gado e o de Couro, Sebo & Chifres. Fato que evidencia de sobremaneira a importância que a atividade obteve na região, e que nos leva a observar a importância social e política que criadores e marchantes neste período possuíam no município. 
Após várias décadas se bons serviços seria natural que o antigo prédio do Matadouro passasse por obras de recuperação, para tanto o artista João Muzzell, em 1889, realiza proposta para as obras de remodelação do mesmo, que seriam realizadas pela quantia de 3:640$000 réis e incluiriam troca de todos os sarrilhos nos lugares determinados, um “coberto”[8] de vinte metros de comprimento e seis e meio de largura, mais outros dois cobertos com quinze de comprimento e sete de largura, e um com cinqüenta e dois metros totalmente em madeira de lei, além de uma casinha de ferro. A proposta foi aceita pela Câmara Municipal e a obra conseqüentemente realizada. Porém a obra de vulto mesmo se realizaria em 1922, consagrada a importância econômica da atividade para o município[9], e seria realizada com o advento da Prefeitura Municipal, com a realização de um novo e moderno matadouro para a cidade, com estrutura arquitetônica[10]. 



BIBLIOGRAFIA

Livros de registros do Matadouro Municipal, Arquivo Histórico Municipal.

Notas e Referências:

[1] Adaptado do ensaio sobre a história do matadouro em Petrópolis, “Matadouro &
matança de gado, 1843 a 1920 em Petrópolis”, Tribuna de Petrópolis, primeira
parte publicada em 02/11/1984 e a segunda em 10/11/1984.
Como tratava-se à época de um artigo, mais que um ensaio, o que mais se
destacava na publicação foram as fotos históricas passadas junto com o pequeno
arquivo do matadouro e utilizadas na publicação, que hoje deverão estar
depositadas no Arquivo Histórico Municipal
[2] As referências aqui encontradas foram adicionadas posteriormente a
publicação do artigo-ensaio.
[3] Escola da rede municipal que sepultou o projeto inicial do segundo governo
Paulo Gratacós de um palácio de cultura com um teatro de “bolso” idealizado pelo
artista plástico Raul Lopes
[4] aproximadamente onde hoje situa-se a Catedral de Petrópolis, observação de
Guilherme Eppinghaus na época da publicação do artigo fora consultado.
[5] como era comumente denominada a carne-fresca, de gado recentemente abatido
[6] in, Trabalhos da Comissão do Centenário de Petrópolis
[7] in, Gazeta de Petrópolis, 19/12/1894.
[8] Para abrigar o gado. Tais cobertos situavam-se onde hoje se localiza o Corpo
de Bombeiros e Defesa Civil e área da Condep.
[9] Não deve ser esquecida também a importância das questões sanitárias em
Petrópolis que tomaram vulto a partir da presença de Oswaldo Cruz e Cardoso
Fontes, e que se acentuaram com o serviço municipal de saúde respaldado nos
trabalhos da Inspetoria de Saúde principalmente a partir da epidemia de
espanhola.
[10] O Matadouro Modelo foi proposta de Meanda Curty & Cia., tornando o mesmo o
segundo do Estado em modernização de suas instalações bem como o terceiro do
país para a época.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

MEMÓRIA PETROPOLITANA PELOS GUIAS E PELA CARTOFILIA

Memória Petropolitana pelos Guias e pela Cartofilia
publicado pela Tribuna de Petrópolis, em 05-08-2009


“O movimento das cidades foi tema dos fotógrafos desde o início da história da fotografia. Contudo o surgimento do cartão-postal, em fins do século XIX, faz da cidade o
seu tema principal. As novas edificações, prédios públicos e privados, jardins, praças, ruas
e avenidas das “cidades modernas” foram temas privilegiados pelos fotógrafos em muitos países.”
(Lôbo, Mauricio Nunes)

H
á mais de década tenho procurado reavaliar os instrumentos de pesquisas objetivando reavaliar minhas investigações sobre a história local, processo que se acentuou com a leitura dos texto de Carl Schorske, (Schorske, 1979) e evoluiu ao final dos anos 90 com os extratos de Peter Burke (Burke, 1985), sobre especificidades da história cultural.
Passei a coletar dados sobre curiosidades e materiais diversificados, principalmente sobre a imprensa e fotos diversas sobre eventos ocorridos na cidade os quais até mesmo a própria imprensa não noticiara.
Porém, o perfil de avaliação dos procedimentos de pesquisa segundo a metodologia da Nova História Cultural e sua aplicação no que tange ao contexto da história local tornou-se uma resposta aos novos desafios historiográficos aos quais meus ensaios se integravam, uma nova discussão do cultural presente em uma cidade que segundo Burke poderia "...sugerir ênfase em mentalidades, suposições e sentimentos".
No campo das representações, uma de suas faces interpretativas, a NHC me atraiu para as formas como se apresentava Petrópolis para viajantes e/ou visitantes nas primeiras décadas do século XX.
Em 1983, no Arquivo Municipal, havia me detido para avaliar a infinidade de “guias” que representavam a cidade. Um verdadeiro modismo das primeiras décadas do século XX, onde cada guia esmerava-se em produzir o mais completo roteiro da cidade. Era o espírito da ‘belle époque’ que alimentava as representações e conduziam ao pleno imaginário. De apresentação gráfica soberba para a época, estes guias apresentavam uma cidade paradisíaca, de beleza estonteante na serra, descrevendo a cidade como o mais belo encrave europeu das serras brasileiras.
Os serviços apresentados nos guias eram os que fixavam o centro da cidade como uma vitrine, uma "mercadoria", para viajantes extasiados na época. Não devemos negar que na realidade criava-se uma representação distorcida do que era verdadeiramente a própria cidade. No contexto geral, uma cidade operária, pobre, com uma população periférica astronômica para a época, se comparada ao do próprio sítio histórico da cidade.
O famoso guia de 1916, desenvolvia-se como um produto de marketing da Empresa ALEX na época, enaltecendo setores e serviços, pondo em relevo comerciantes e autoridades da cidade, hotéis e restaurantes, monumentos e ruas, políticos e famílias bem situadas no cenário social da comunidade, assim como anúncios das principais lojas de costumes.
Mas, quanto ao povo?
Este desaparecera do guia!
Na última década do século este modismo da ‘belle époque’ implantado na cidade pelos veranistas e por sua elite com hábitos franceses, conduziu inclusive a publicação de um guia especificamente para ciclistas. Extremamente sofisticado, este talvez fosse o único guia do país no gênero, pois se aproveitava do ambiente da cidade com distinção para o imaginário europeu. Incluía caracteristicamente distância entre determinadas regiões, condições das estradas e ruas, pontos para uma eventual parada, abastecimento de líquidos e fontes, paisagens exuberantes, etc.
Este mesmo imaginário, oferecido pelos guias em uma bandeja para viajantes, visitantes e veranistas, reproduziu-se ainda no decorrer do século e de forma bastante sedutora e peculiar, com a cartofilia.
Segundo Antonio Miranda (Miranda, 1985), o cartão-postal, possuiu sua origem na segunda metade do século XIX, possivelmente na Alemanha, objetivando simplificar a correspondência pelo Correio, o que passou a ser adotado oficialmente pelo Correio da Áustria no decorrer de 1869. Encarado como uma solução barata e eficaz para o envio de mensagens breves e rápidas e, por conseqüência, aumentar o tráfego postal, gerando um lucro maior para o serviço de correios local.
No Brasil, Miranda aponta que por decreto-lei em 1880, o Ministro Manuel Buarque de Macedo, oficializa o que já havia apontado à D. Pedro, como alterações para o uso dos bilhetes-postais, segundo o exemplo francês.
Após ser adotado como um procedimento oficial, vários países em fins do século XIX começaram a autorizar as indústrias particulares a imprimirem alternativamente cartões-postais para circularem pelos correios depois de apostos selos, o que justificava o pagamento, o comércio da operação.
O apelo visual e a diversidade de gravuras em preto e branco e/ou colorizada (um magenta) despertaram o interesse, mania, em guardar os cartões-postais que recordavam viagens, ou eram recebidos por amigos, além daqueles obtidos por compra ou troca. Tornou-se um hábito, ocupação, um passatempo de colecionador.
Em 1901, Castro Moura introduziu o cartão-postal no Brasil, aparecendo depois o cartão-postal ilustrado e um dos seus precursores foi o fotógrafo Marc Ferrez, que os mandou imprimir na Suíça.
Grandes fotógrafos brasileiros produziram cartões-postais. Muitos outros, ilustradores, tipógrafos, famosos ou obscuros, célebres ou anônimos, revelaram a arquitetura, a moda, os transportes, os estilos artísticos, o folclore, a religião e toda a cultura brasileira, a exemplo do que acontecia em todo o mundo.
Petrópolis tornou-se fonte de representação por postais no inicio do século XX, não os tradicionais preto-branco, mas os colorizados artesanalmente de autoria desconhecida.
Klumb, famoso fotografo da Casa Imperial, assim como Hees no inicio do século XX, não produziram postais, mas fotos destes sobre Petrópolis, foram transformadas em postais sem sua autorização, principalmente as imagens panorâmicas.
Assim como, algumas fotos de Malta foram reproduzidas também como postais.
Podemos frisar que foi longa a relação de fotógrafos e editores espalhados pelo Brasil que se dedicaram à feitura de “bilhetes-postais”, como eram chamados à época, podendo-se destacar no Rio de Janeiro, além “Marc Ferrez & Filhos”, Augusto Malta, Horácio Garcia, J. Costa, M. Orosco, N. Viggiani, A. Ribeiro, C. Moura, Casa Staffa, Malta e Leon de Rennes.
Já dos anos 20 aos 60, foram inúmeros os editores e fotógrafos que registraram Petrópolis por suas lentes tendo por cenário, áreas tradicionais, ou algumas poucas reveladoras.
Entre os identificados encontramos presente, a Colombo (Aldo), Stepan, Conrado Wessel, D.K., L.B., P.E. e N. Nietzsch.
“Stepan” realizou uma série de fotos sobre pontos turísticos de Petrópolis que se superam em sua produção nos anos 30.
Colombo por sua vez, retratou nos anos 40 o Hotel Quitandinha com todos os seus ambientes e ainda produziu algumas imagens turísticas de Petrópolis.
Existe uma possibilidade histórica de que R. Haack, ao fotografar a cidade nos anos 30 e 40, os reproduzisse e comercializasse como postais, ou mesmo produzisse fotos para editoras de cartão-postal, já que a ótica era à época um ambiente adequado para semelhante processo, pois importava material de qualidade para profissionais e suas fotos possuíam caracteristicamente a autoria e o nome da região fotografada. Neste caso, Petrópolis. Fato este que se comprova com as fotos da estrada Rio-Petrópolis.
A cidade realmente era um imaginário que seguia muito além do exposto nos postais, uma vitrine histórico-urbana.

Burke, Peter. O Que É História Cultural?, 1985;
_________. Uma História Social do Conhecimento, 1983;
Miranda, Antonio. O Que é Cartofilia, Editora Thesaurus, Brasília, 1985;
Schorske, Carl E. Viena fin-de-sciècle: política e cultura, Cia das Letras/Ed. Unicamp, 1988
Lôbo, Mauricio Nunes, Os Cartões Postais Produzidos na Cidade de Santos (1901-1920), UNICAMP, 2002.